segunda-feira, 18 de abril de 2011

A Proposta Política dos Novos Liberais na Crise do Brasil Império

A Proposta Política dos Novos Liberais na Crise do Brasil Império e suas Manifestações  Dentro da Literatura
                                            Nilvon Batista Brito (UFPI)  Antonia Claudia Rocha (UFPI)

Considerando as relações existentes entre literatura e História e entendendo que a produção literária está intimamente ligada ao contexto sócio-historico, este trabalho propõe uma analise baseada na abordagem dialógica da literatura, defendida por William Roberto Cereja1 que afirma - fundamentado na teoria do dialogismo de Mikhail Bakhtin2 -  “ser a abordagem historiográfica uma das formas de estudar literatura.” Assim entendemos que a literatura nos fornecerá subsidio para  compreender o movimento de efervescência cultural e política  da geração de 1870 de modo particular as propostas políticas dos Novos Liberais  .Nessa perspectiva  tomaremos como ponto de partida a crise do Império e a articulação de idéias que circulavam no período, para isso recorremos ao trabalho da  Ângela Alonso3 Idéias em movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil Império. A pesquisa de Alonso nos mostra que os intelectuais estavam divididos em grupos divergentes na forma de pensar, mas que existia em comum a critica ao status quo do império. Eram eles: os liberais republicanos, os novos liberais, os positivistas abolicionistas, os federalistas científicos paulistas e os federalistas positivistas. A nós, no limite desse trabalho nos interessa explicar as propostas políticas dos novos liberais dentro desse contexto e comparar com a literatura produzida na época.
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2. Dialogismo é o que Mikhail Bakhtin define como o processo de interação entre textos que ocorre na polifonia; tanto na escrita como na leitura, o texto não é visto isoladamente, mas sim correlacionado com outros discursos similares e/ou próximos. Em retórica, por exemplo, é mister incluir no discurso argumentos antagônicos para poder refutá-los.Dialogismo se da à partir da noção de recepção/compreensão de uma enunciação o qual constitui um território comum entre o locutor e o locutário. Pode se dizer que os interlocutores ao colocarem a linguagem em relação frente um a outro produzem um movimento dialógico
3..Graduada em Ciências Sociais (1990), mestre (1995) e doutora (2000) em Sociologia pela Universidade de São Paulo, é professora do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, pesquisadora do Cebrap e do Development Research Centre on Citizenship, Participation and Accountability (Universidade de Sussex). Suas pesquisas e publicações focalizam a investigação das relações entre cultura e ação coletiva e os movimentos políticos e intelectuais.)


Para entendermos a posição política dos Novos Liberais e suas manifestações dentro da Literatura é preciso ressaltar as transformações econômicas, políticas, sociais 
e culturais da segunda metade do século XIX: estruturação do capitalismo em moldes modernos e o surgimento de novos complexos industriais que culminou no aumento da massa operaria urbana formando uma população marginalizada  que não partilhava dos benefícios gerados pelo progresso industrial. No Brasil as mudanças também ocorrem no campo econômico e político-social , embora com profunda diferença materiais, se comparados as da Europa e outras partes do mundo. Em nosso país  a monarquia vive uma progressiva decadência, avança a luta abolicionista e desde a Guerra do Paraguai  organiza-se um movimento republicano, principalmente entre os
militares. Tais acontecimentos no mundo e no Brasil servem de pano de fundo para uma nova interpretação da realidade e suscitam teorias de variadas posturas  ideológicas.
A produção literaria dos novos liberais durante o imperio eram artigos divulgados na imprensa diaria, dentre outros temas podemos destacar a abolição, critica ao imperador e ao imperio tradicional. Os Novos Liberais são dissidentes dos Liberais Conservadores, sendo os de maior destaque Rui Barbosa, André Rebouças e Joaquim Nabuco,  esse ultimo  escreveu o  romance  O abolicionismo (1883) onde aborda  uma reflexão do Brasil imperial  e expressa os princípios do  idealismo dos Novos liberais.
           
De acordo com a pesquisa de Alonso o escritor Nabuco vai buscar argumentos para construir  sua obra nas teorias cientificas de Charles Darwin,4  e nas ideias de pensadores abolicionistas europeus e americanos. Esse repertorio de ideias vão compor o pensamento central da obra: “A sociedade escravista é a falha do sistema monarquico”. Alonso nos aponta que o liberalismo contido na obra de Nabuco vem de uma posição negativa em relação a sociedade patrimonial e escravista muito mais que uma definição doutrinaria. A obra de Nabuco “era um livro-programa, que exprimia o ponto de vista de um grupo político emergente. Seu sentido precípuo é de critica à
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4. Propós uma teoria para explicar como a evolução se dá por meio da seleção natural e sexual. Esta teoria se desenvolveu no que é agora considerado o paradigma central para explicação de diversos fenômenos na Biologia. Foi laureado com a medalha Wollaston concedida pela Sociedade Geológica de Londres, em 1859.  

dominação saquarema”. (p.189) Dessa forma o autor apresenta em seu livro as tradições do liberalismo nacional e não a teoria liberal européia. Ele não vai aplicar uma teoria  ou aderir a um sistema doutrinário , mas sim fazer uma construção de um quadro de decadência da sociedade imperial .O discurso do livro, estar centrado  no cruzamento de elementos da tradição imperial  com teorias da política cientifica do século XIX. Nabuco vai buscar apoio na tese sociológica dos estágios de Civilização5 , essas eram as idéias cientificas em voga  nos anos 80 daquele século.  No entanto os novos
liberais seguiam em uma linha contraditória ao que se fazia na época: não pregando o liberalismo inglês que era adotado pela tradição imperial, manifestando assim o seu repudio ao statu quo do segundo reinado.
Ao passo em que rompe com o Império Brasileiro  nutre forte admiração pela cultura e pela política do império romana, assumindo assim o ideal monárquico do grupo, apesar de romper com o modelo histórico do segundo reinado oficializado pelo IHGB6  que escreveu a historia segundo o modelo positivista onde os acontecimentos políticos são absorvidos com evidência. Nabuco, principal represente desse pensamento liberal renovado, passa a trabalhar a historia do Brasil a partir da evolução econômica brasileira. Essas idéias  são sustentada no pensamento  do alemão Theodor

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5) Primeiro Estagios teológico.  o homem viveria em um estado de aculturação ainda incipiente, que justificaria sua íntima ligação com a divindade. Deus seria o regente da vida social, e o homem a ele diretamente vinculado, fosse por meio da relação direta ou pela mediação do Estado teocrático.
 Segundo Estagio, foi denominado de metafísico. Nesse estado, os dogmas da fé anterior seriam questionados profundamente. Se o estágio anterior definia-se por ordem, este, por ser de transição, revelava um sentido de progresso no percurso da civilização humana..Terceiro Estagio, o positivo, ponto de chegada histórico ao qual o espírito humano havia, naturalmente, sempre aspirado. O homem, partindo de uma concepção antropocêntrica, se colocaria na condição de regente da vida social. Conferindo-lhe uma unidade lógica voltada para a explicação racional dos fenômenos naturais ( OLIVEIRA)
6) O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), fundado a 21 de outubro de 1838, é a mais antiga e tradicional entidade de fomento da pesquisa e preservação histórico-geográfica, cultural e de Ciências Sociais do Brasil.A sua criação, juntamente com o Arquivo Público do Império, que se somavam à Academia Imperial de Belas Artes, integrou o esforço dos conservadores (Regência de Pedro de Araújo Lima), para a construção de um Estado imperial centralizado e forte.

Mommsen7 (1817 – 1903) onde Nabuco vai buscar também argumentos para as idéias abolicionista. A geração 1870 parece não querer romper os laços com  a monarquia, apesar de ser adeptos da política cientifica   moderna ainda existiam laços fortes de uma cultura colonial . Nesse sentido os novos liberais vão buscar apoio no escritor português Joaquim Pedro de Oliveira8  (1845 – 1894)  que pregava o sebastianismo,como caminho para a restauração de um grande império.Esse autor  nutria ainda uma simpatia pelo socialismo, porem a sua convicção era a monarquia.
      
Aceita a miscigenação como forma de evitar conflitos raciais, já que todos tem um pouco da cor negra,sendo assim  existe uma possibilidade de mobilidade social não aceitando uma sociedade estamental. A estrutura social construída  em base escravista seria o responsável pela “rebaixamento do caráter brasileiro”  (p.195) e  empecilho  para o crescimento econômico da colônia impedindo de surgir um mercado livre, surgimento
de industrias e a vinda de imigrantes.  Os novos liberais aspiravam uma centralização do poder político para manter a ordem nacional e modernizar a economia do país. veem o Brasil inserido na América, no entanto não admiram o modelo republicano. É importante ressaltar que o conceito de “Liberal” para os novos liberias  estava intimamente ligado apenas a limitação de intervenção estatal na sociedade ou seja o estado não deveria participar da economia mas garantir seu funcionamento”(p.200). Os novos liberais separavam a “questão social” e a questão politica, fazendo assim uma releitura da monarquia, sugerindo uma sociedade livre da mão-de-obra escrava mas apoiada em um sistema monarquico legitimado. Com base nessa ideia, as manifestações literarias dos novos liberais não combatiam o estado 
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7) Christian Matthias Theodor Mommsen (Garding, 30 de Novembro de 1817Charlottenburg, 1 de Novembro de 1903) foi um historiador alemão.É considerado um dos maiores especialista em história da Antigüidade Latina de todos os tempos, e muitos dos seus escritos e compilações de documentos ainda hoje conservam uma importância capital.Em 1902, foi agraciado com o Prémio Nobel de Literatura, pela sua História de Roma
.8)) Joaquim Pedro de Oliveira Martins (Lisboa, 30 de Abril de 1845Lisboa, 24 de Agosto de 1894) foi um político e cientista social português.Oliveira Martins é uma das figuras-chave da história portuguesa contemporânea. As suas obras marcaram sucessivas gerações de portugueses, tendo influenciado vários escritores do século XX, como António Sérgio, Eduardo Lourenço ou António Sardinha

monarquico, mas a forma de organização social da monarquia naquele periodo.  Defendem sobretudo uma monarquia constitucional onde não haja escravos. A principal luta dos novos liberais é contra essa contradição do liberalismo imperial brasileiro: a escravidão. È contra ela que os novos Liberais vão apontar a sua artilharia literária.
A literatura produzida no Brasil a partir de 1870 é classificada  como uma literatura realista, naturalista e objetiva, preocupada com os fatos do presente. Os autores desse período apresentam-se como antimonarquistas, assumindo uma defesa clara do ideal republicano. São anticlericais e negam a burguesia a partir da célula mãe da sociedade – a família, alem de defenderem a abolição dos escravos . Assim, é comum encontrarmos nessa época obras que apontam o pai traído, a mãe adultera e o amante. Alem de padres corruptos e hipocrisia das beatas, assim como negros injustiçados.
Dentro dos temas mais discutidos citados anteriormente e entre as obras literárias produzidas nesse período e aqui analisadas podemos destacar dois autores mais significativos e suas respectivas obras: Aluisio Azevedo escreve dentre outras obras “O mulato”, “O cortiço” e “Casa de Pensão” onde se percebe a preocupação com a posição do negro e demais classes marginalizadas da sociedade, alem da critica ao conservadorismo e ao clero e a defesa do ideal republicano. Em “Casa de Pensão” Azevedo ao descrever os tipos que habitam a pensão já decadente de Mme. Brizard faz um  espelha da sociedade decadente desse período:

“Quase todos eles tem na sua vida um fato, uma época, uma coisa extraordinária, para contar: um, apresenta a honra de lhe haver morrido nos braços  de tal homem celebre; outro, diz que foi amante da senhora condessa de tal; outro, afiança e jura ser o verdadeiro, se bem que obscuro, promotor de tal acontecimento histórico; outro, revela um romance de amor que lhe cortou a carreira, mas que o imortalizara em vento a luz da publicidade; outro confia numa invenção, ‘é o seu segredo’, um projeto mecânico, ou industrial ou econômico-político; outro, não aceita emprego nenhum do atual governo , e espera a ocasião de ‘pegar numa espingarda e fuzilar as velhas instituições de seu miserando pais’; outro, enfim, (e são os menos raros) tem apenas para exibir em honra própria a circunstancia de algum parentesco ilustre.” (AZEVEDO, p.163)


             Machado de Assis  em sua fase denominada realista ou realismo psicológico   escreve “Memórias Póstumas de Brás Cubas” “Quincas Borba” e “Dom Casmurro”, na primeira obra veremos a narrativa de um defunto-autor, esse artifício deixa o autor livre de satisfação e o permite pintar a própria vida e dos personagens ao seu redor.Em Quincas Borba podemos observar criticas ao capitalismo selvagem que leva o homem bom e honesto a loucura e miséria absoluta. Já em Dom Casmurro nos leva ao julgamento de um provável adultério que serve de pano de fundo para a analise de perfis psicológico e comportamental de sujeitos sociais. O recurso que ele utiliza para discutir a sociedade é a abordagem, em profundidade, da individualidade e do caráter dos personagens. No prólogo de Memórias Póstumas de Brás Cubas o personagem narrador  adverte:

“[...] Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio. Acresce que a gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a gente frívola não achará nele o seu romance usual, ei-lo aí fica privado da estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião.. ( ASSIS, p.8 )

Diante das temáticas abordadas nas obras literárias aqui analisadas, percebemos não só a  atividade artístico-cultural mas, uma preocupação política e social em relação ao contexto vivenciado na época, assim como o uso dessas obras pelo seus autores para expressar a indignação diante dos fatos e seu pensamento sobre a sociedade imperial escravista, como também o uso de argumentos cientificista e determinista, considerando que as ações humanas são produtos de leis naturais. Nesses pontos estão as similaridades com a pesquisa de Ângela Alonso.  O que vai diferenciar é os ideais republicanos dos escritores realistas, que não confere com a preocupação do grupo dos novos liberais que pregavam uma sociedade sobre o comando de uma monarquia constitucional.

Referências

ALONSO, Angela. Ideias em Movimento: a Geração 1870 na Crise do Imperio. São Paulo: paz e terra, 2002.

ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Bras Cubas.  Obra Completa, de Machado de Assis, vol. I, Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.


AZEVEDO, Aluisio. Casa de Pensão. São Paulo: Editora àtica,serie Bom Livro,1977.

CEREJA,Willian Roberto. Ensino de literatura: uma proposta dialogica para o trabalho com literartura. São Paulo:atual, 2005.

OLIVEIRA, Pérsio Santos de, Introdução a sociologia. São Paulo: Editora Ática 16º Ed. 1996

TERRA E NICOLA, Ernani/José de. Gramatica e Literatura. São Paulo:scipione,2000/ coleção novo tempo.

Consulta em endereços eletrônicos na internet

 -Biografia de William Roberto Cereja. Consulta realizada no dia 20/04/2009 no endereço:      http://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_Hist%C3%B3rico_e_Geogr%C3%A1fico

- Biografia de Ângela Alonso. Consulta realizada no dia 20/04/2009 no endereço:
    http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4728832P1)
- Dados sobre Charles Darwin. Consulta realizada no dia 20/04/2009 no endereço:                     http://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Darwin
- Dados sobre Theodor Mommsen. Consulta realizada no dia 20/04/2009 no endereço:  

-Dados sobre Joaquim Pedro de Oliveira Martins. Consulta realizada no dia 20/04/2009 no endereço:

- Dados sobre o IBGH. Consulta realizada em 20/04/2009:
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_Hist%C3%B3rico_e_Geogr%C3%A1fico_Brasileiro

- Dados referentes ao dialogismo. Consulta realizada no dia 02/07/2009

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